segunda-feira, 21 de julho de 2008

A Serviço da Calmaria Interior


"Conversa para boi dormir? Que nada! Apenas remedinhos para adultos problemáticos dormirem".

O que há por trás da tarja preta dos remédios controlados? O que ela poderá esconder? Atualmente eu sinto a tarja preta em meu cérebro, vinda dos remédios que tomo quase todas as noites da semana. Nos fins de semana, minhas dependências são outras: uma overdose de carinho do irmão; as ligações saudosistas para a família de Bom Jesus; uma boa dose de café com leite da vó Mariza; o olhar estatalado assistindo a filmes de suspense com papai e a língua enrolada de tanto ler histórias para mamãe...

Durante a semana sou subtraída desses momentos. O trabalho exige de mim o que sempre estou disposta e gosto de dar: minhas mãos nervosas nas teclas do notbook; a faculdade são camiliana, que de santo só tem o nome, me retira todo o bom humor, por ter de lidar com a ignorância de tantos e com o medíocre sistema burocrático de muitos; o almoço perde o gosto por não ter sido feito especificamente para meu agrado; os salgados gordurosos entopem as veias e de grão em grão lá se vão minhas moedinhas; Os shoppings de Cachoeiro de exibem as roupas da moda que eu jamais usaria.

Ainda bem que na Capital Nacional da Crônica tenho amigos que são "pau pra toda obra", caso contrário, meus alicerces fundados em Cachoeiro de Itapemirim logo seriam desmontados, pois faltariam motivações e sorrisos a me esperarem no início do dia e os longos bate papos empolgados nos fins de noite. Mas as noites não são apenas feitas para os amantes e apaixonados. Ela existe para todo mundo, inclusive para mim: estudante com medo do escuro. E minha casa... Bem, minha casa me protege, ou deveria proteger; - pelo menos é para isso que servem paredes e concretos. Mas quando abro a janela e olho as estrelas é que percebo o quanto romanticamente estou só. Não sinto falta de um marido ou cachorro, pois são todos "farinha do mesmo saco", ambos pedintes e vulneráveis.

Falta é Mimoso do Sul em meu lar; falta a minha família nos pedacinhos de chão empoeirado que varro todos os dias; falta meu pai pra consertar o chuveiro e minha mãe pra arrumar as compras, falta meu irmão trazendo refrigerante. Enfim, falta a felicidade por completo! Va bene! Já falei sobre isso antes: duas vidas, duas estantes... Felicidade dividida. Cinquenta por cento por aqui, cinquenta por cento por lá.

Numa cápsula protetora me permito buscar a felicidade artificial ao me aventurar no que está escrito nas caixas de remédios tarja preta: “Venda sob prescrição médica. O abuso deste medicamento pode causar dependência”. Bem que eles avisaram. E, cá estou com a vida independente dependendo de um comprimidinho de apenas meio centímetro. Entre letras pequenas e práticas da bula eu busco um sono pesado que não me deixe dormir tão tarde e me faça acordar mais cedo. O comprimido, em silêncio, passa por minha garganta e os carros, com barulho, anunciam que a noite será longa. Se busco respostas nas substâncias químicas não sei, mas encontro nas letras pequenas, espremidas e práticas da bula um pouco de satisfação que não tenho em minha vida grande, espaçosa e lunática.

Talvez eu esteja domando as dores da alma ao empurrar compostos químicos para dentro do organismo. Ah! Freud explica! Afinal, "não quero me sujar fumando apenas um cigarro".

E como não nasci no Rio de Janeiro, mas sinto-me otimista da gema, talvez eu saia no próximo carnaval vestida com as diversas notificações coloridas de receitas branca, azul, amarela... Seria o máximo sair na escola de meu bairro com as cores dos medicamentos psicotrópicos. Meu bairro? Mimoso? Carnaval? Bateu a saudade! Acho que é hora de abandonar as letras e tomar mais um remedinho...

4 comentários:

Marcelo Grillo disse...

Nosso coração, às vezes, parece um poço sem fundo, um mar agitado por ondas revoltosas, por ventos alíseos fustigantes. Daí a inquietação constante, que remédio nenhum cura. E não há mesmo de ser remédio nenhum, panacéia comum, a curar as dores da alma. Onde e como, então, procurar a calmaria interior? Cada um deve procurar seu caminho. Para fugir da praia, das borrascas, das tempestades em alto mar, aceite a mão de alguém e deixe-se conduzir a um laguinho no alto da montanha, onde a calmaria que só será interrompida se você se enfastiar e atirar nele uma pedrinha ― daí as ondas provocadas já não serão mais tumultos interiores, mas apenas uma renovação da calmaria que todos os corações merecem de quando em vez.

Anônimo disse...

Mas essa tal de independência ilude mesmo, não é? Nos livramos de grandes amarras para dependermos de meras mediocridades tão necessárias à nossa boa vida. Adorei o texto, Renatinha. Parabéns!

Marcelo Grillo disse...

Não perdi o gosto de rabiscar tuas letras; aliás, ando sentindo falta disso. Amo teus escritos e sabes disso. Mas não exageres... "Não sinto falta de um marido ou cachorro, pois são todos 'farinha do mesmo saco', ambos pedintes e vulneráveis". Podes já ter tido um cachorro, mas marido ainda não tiveste... rsrsrs. E achas que as mulheres são menos pedintes e vulneráveis? Va bene...

Paixão, M. disse...

Rê, fico impressionada com o jeito que escreve sobre coisas tão suas e tão fundas, sem se esconder por trás de eu lírico, com essa propriedade toda, e sem perder esse tonzinho de humor... digo também que é preciso mesmo se agarrar nesses pedaços de ar respirável que aparecem todos os dias no meio da rotina doida: uma música, uma saudade, uma pétala amarela no chão, um quadrinho de chocolate, café :) Espero que logo essas letras miúdas de bula se tornem totalmente desnecessárias, que restem somente essas daqui, ou as que você destila com tinta de caneta, de essenciais mesmo.

Um beijão, saudade!