terça-feira, 29 de julho de 2008

PELO AVESSO


Sentimento pelo avesso
O fim antes do começo
Livro de palavras mudas
E letras que me deixam desnuda

O que me faz olhar de frente
São as folhas de trás para frente
É a abelha fazendo o mel
Meu inferno oculto no céu

Não perdi o elo do sorriso
Tampouco a falta de senso ou juízo
Rabisquei um mundo de anotações
Em linhas tortas que seriam canções

Eu só escrevo e não movo “uma palha”
Será que apenas afio a navalha?
Cortando o pescoço na lâmina do desprezo
Sublinhando os meus medos que desconheço

As folhas caem e o outono desaparece
As estações mudam, o calor não aquece
Observo, de longe, o raio de sol que teima em sair
E agradeço as nuvens que o querem cobrir

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A Serviço da Calmaria Interior


"Conversa para boi dormir? Que nada! Apenas remedinhos para adultos problemáticos dormirem".

O que há por trás da tarja preta dos remédios controlados? O que ela poderá esconder? Atualmente eu sinto a tarja preta em meu cérebro, vinda dos remédios que tomo quase todas as noites da semana. Nos fins de semana, minhas dependências são outras: uma overdose de carinho do irmão; as ligações saudosistas para a família de Bom Jesus; uma boa dose de café com leite da vó Mariza; o olhar estatalado assistindo a filmes de suspense com papai e a língua enrolada de tanto ler histórias para mamãe...

Durante a semana sou subtraída desses momentos. O trabalho exige de mim o que sempre estou disposta e gosto de dar: minhas mãos nervosas nas teclas do notbook; a faculdade são camiliana, que de santo só tem o nome, me retira todo o bom humor, por ter de lidar com a ignorância de tantos e com o medíocre sistema burocrático de muitos; o almoço perde o gosto por não ter sido feito especificamente para meu agrado; os salgados gordurosos entopem as veias e de grão em grão lá se vão minhas moedinhas; Os shoppings de Cachoeiro de exibem as roupas da moda que eu jamais usaria.

Ainda bem que na Capital Nacional da Crônica tenho amigos que são "pau pra toda obra", caso contrário, meus alicerces fundados em Cachoeiro de Itapemirim logo seriam desmontados, pois faltariam motivações e sorrisos a me esperarem no início do dia e os longos bate papos empolgados nos fins de noite. Mas as noites não são apenas feitas para os amantes e apaixonados. Ela existe para todo mundo, inclusive para mim: estudante com medo do escuro. E minha casa... Bem, minha casa me protege, ou deveria proteger; - pelo menos é para isso que servem paredes e concretos. Mas quando abro a janela e olho as estrelas é que percebo o quanto romanticamente estou só. Não sinto falta de um marido ou cachorro, pois são todos "farinha do mesmo saco", ambos pedintes e vulneráveis.

Falta é Mimoso do Sul em meu lar; falta a minha família nos pedacinhos de chão empoeirado que varro todos os dias; falta meu pai pra consertar o chuveiro e minha mãe pra arrumar as compras, falta meu irmão trazendo refrigerante. Enfim, falta a felicidade por completo! Va bene! Já falei sobre isso antes: duas vidas, duas estantes... Felicidade dividida. Cinquenta por cento por aqui, cinquenta por cento por lá.

Numa cápsula protetora me permito buscar a felicidade artificial ao me aventurar no que está escrito nas caixas de remédios tarja preta: “Venda sob prescrição médica. O abuso deste medicamento pode causar dependência”. Bem que eles avisaram. E, cá estou com a vida independente dependendo de um comprimidinho de apenas meio centímetro. Entre letras pequenas e práticas da bula eu busco um sono pesado que não me deixe dormir tão tarde e me faça acordar mais cedo. O comprimido, em silêncio, passa por minha garganta e os carros, com barulho, anunciam que a noite será longa. Se busco respostas nas substâncias químicas não sei, mas encontro nas letras pequenas, espremidas e práticas da bula um pouco de satisfação que não tenho em minha vida grande, espaçosa e lunática.

Talvez eu esteja domando as dores da alma ao empurrar compostos químicos para dentro do organismo. Ah! Freud explica! Afinal, "não quero me sujar fumando apenas um cigarro".

E como não nasci no Rio de Janeiro, mas sinto-me otimista da gema, talvez eu saia no próximo carnaval vestida com as diversas notificações coloridas de receitas branca, azul, amarela... Seria o máximo sair na escola de meu bairro com as cores dos medicamentos psicotrópicos. Meu bairro? Mimoso? Carnaval? Bateu a saudade! Acho que é hora de abandonar as letras e tomar mais um remedinho...

domingo, 20 de julho de 2008

A Poesia do Peroá


A prancha submersa me leva
Mas nem sei se quero ir
Entre mineiros revoltosos e peroás gordurosos
O pileque cria monstros e mares assombrosos

Fiquei tonta, chamei quiosque de “quisque”
Tomei cerveja e arrotei fragmentos de whisky
Areias lotadas e espaço não há
Assovio para o garçom:
- Me traga agora um peroá!

Minha mesa? Eu sento na rua
Engradados de cerveja me sustentam
A cachaça eu tomo crua

Hoje, só hoje...
Deixarei nas areias o meu coração
Quem sabe um pescador de bêbadas
Me leve de arrastão?!?

E o peroá... Tão pequenininho
Quanto mais incompleto
Mais aumenta o seu precinho

O sururu? Desapareceu da minha frente
A ostra? Não engulo demoradamente
A farofa? Lembra os farelos de minha vida
O peroá? Faz digestão na barriga

É hora de ir embora
Estou muito mais que tonta
Já chamei urubu de meu loiro
Mas primeiro tenho que pagar a conta

Quando chego na mesa improvisada
Tomo um susto, dou um grito, sinto medo
Meu peroá pequenininho e carnudo
Agora não passa de um esqueleto

Fui.......Fui... E acompanho o trem das onze
Irchi!!! O trio elétrico
RAUUUUULLLLLLLLLL...Tô de frente para o mar...
Mas pensei que fosse a "Lagoa Azul”

Divagações Sobre a Necessidade de Parar de Beber...

Querido Diário Colorido... Me deixe Escrever Qualquer Coisa que Saia com Rima!?!

Anoitece. A lua me espera e eu me apresso. Retoco-me em frente ao espelho... Tudo no lugar: na boca, batom vermelho; na cabeça, o sonho de uma noite sem pesadelos. Buzinas me chamam. Abandono o meu quarto e o silêncio. Preciso da noite e do que ela me traz: ilusões com os goles a mais. Hoje eu quero jogar conversa fora e botar bebida pra dentro, mesmo sabendo que daqui a pouco nem eu mesma me agüento. E eu vou sair, vou dançar, com ou sem par.
Música alta, cantadas. A noite se resume em queixumes, sempre nas mesmas conversas fiadas. Um gole, um trago; dois goles, três tragos. Mais uma música, mais uma cantada. Solidão! Nem consigo contemplar a noite enluarada? O copo esvaziou e não bebo espuma. Por favor, ô garçom, me traga mais uma! Acabou o cigarro, mas carrego no pulmão um estoque de tosse com catarro.
Números de telefone em guardanapo são ofertados. De quem é o número? Ah!, deve ser de alguém que beijei lá do outro lado. E, por favor, não me façam perguntas enquanto eu estiver nesse estado. Muito menos me falem em beijos, pois perdi meu namorado. Falsos elogios não são dispensados.
Eu troco de bebida e peço algo mais forte, e enquanto engulo o Dreher adianto a minha morte. Caí do salto, voltei com a sandália na mão. Só não dormi no asfalto porque um anjo da guarda me pegou pela mão. Quem era o anjo? Um Policial Rodoviário me dando carona no camburão.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

ISABEL ARRUMANDO AS MALAS (in memoriam)




Tia Bebel se arruma,
dá um retoque em seu rosto de boneca,
mira-se no espelho, penteia o cabelo.
Será que vai à festa?

Uma vida em cinquenta anos,
sempre sorrisos e muitos planos.

A tatuagem de escorpião na canela
ficou apenas no sonho.
Contempla o Itabira da janela
cantarolando o Rei... “eu te proponho”

Sorriso aberto, dentes brancos e escancarados.
O mal humor chegou? Eles logo serão fechados.

Voz alta, presença alegre e constante.
Se era caprichosa? Perguntem a sua estante.

Sabonetes glicerinados produzido por suas mãos,
pintar quadros? Mais uma de suas artes e distração.

Reunir a família, agregar sentimentos.
Saudade das filhas que moram tão longe...
Que lamento!


Poetisa num simples diário,
amante do Recanto das Letras.
O que seria de mim se ela não existisse?
Eu mesma respondo: apenas um livro sem letra!

A casa imensa,
o coração maior ainda.
Na frente do papel ela pensa
e a noite, estrelada, se finda.

Amanhã ela vai partir
e lágrimas vai deixar,
amanhã, nosso mundo vai cair
e o céu vai comemorar.

Hoje ela sobe, com preguiça, a escada da casa,
amanhã subirá os céus na companhia de uma asa.

A noite, pega o terço e reza...
Por que ir embora tão depressa?
Ela acorda e segue viagem...
Vai não, tia! Pare de bobagem!

Fica mais um pouco!
Vamos pra casa da vovó?
Não. Eu prometi me encontrar com a lua,
Não posso deixá-la tão só!

Oh! Tia Bebel, mas como é teimosa!
Que dia faremos a nossa poesia e prosa?
E a crônica? Quando vai pintar os quadros das meninas?
E a fogão à lenha na roça? O quentão para a festa junina?

Renata, garota ansiosa! Tira essa revolta do coração,
cadê sua crença de que nos veremos em outra estação?

Ah! Vê se não me desaponta mais!
Estude, trabalhe e não chore mais.
Onde já se viu uma italiana
entregar os pontos e pensar para trás?

Leia meus versos e sinta meu cheiro,
saiba que sinto falta da família,
dos amigos, do macarrão do papai e da mamãe...
Hum! O amor é o verdadeiro tempero!

Agora tenho que ir, prometi não demorar,
pois lá encima uma linda harpa espera:
a minha voz, o meu sorriso, o meu cantar
!

MURO PIXADO


Elevadores de arranha-céus levando homens às alturas; livros de auto-ajuda nas mãos de quem não ajuda ninguém com sequer um vintém; nas ruas em que ando apressada por todos os dias, leio releio a frase pixada no muro: Jesus Voltará! Mas como voltará, se ensinam que Ele está dentro de nós? E se voltar? O mundo globalizado e alienado não acreditará em Sua Volta. São tantas crenças e descrenças. Voltaria reencarnado? Ressuscitado? Apenas o espírito? Com roupas de Ghandi? Meditando? Psicografando? Com o cabelo grande? Epa! Ouço roqueiros, alegremente, apostando que sim... Sei, tudo são balelas, e Ele não virá, porque já está... Mesmo que, às vezes, pareça brincar de pique-esconde com a menina Isabella que literalmente “caiu e foi jogada” numa brincadeira, sem contar com qualquer mão que pudesse salvá-la – mas isso é coisa que assistimos nos filmes de Super-Homem, mas se até ele caiu do cavalo, quem poderá nos salvar? Talvez, o Chapolin Colorado.

E da frase “pixada” escorre uma tinta vermelha e escura que se comparam as marcas de sangue nos asfaltos, em acidentes causados pela imprudência dos demais. Jesus estava lá? Creio que sim, pelo menos foi fotografada a Sua imagem esculpida em madeira, retorcida por conta da violenta batida do carro.

Com um pouco de sensibilidade, podemos facilmente encontrar na boleba dos olhos das crianças um Jesus que ainda exista e persista; na calma de uma senhora atravessando a rua para comprar – quem sabe pela última vez – o pão de cada dia, naquela padaria sempre lotada em que os vendedores nem reparam os clientes mais antigos. Amigos? Jesus também está neles, nos gestos de ajuda, nos tirando do sufoco, e nos colocando dentro dele para que possamos aprender, nem que seja na dor.

E tantas coisas poderiam me parar! Mas daquele muro “pixado” nunca me esquecerei. Não me esquecerei das letras de revolta transbordadas com o vermelho da violência em paradoxo com o verde na alma de esperança, naquele beco qualquer suburbano e “sujismundo”. Não, eu não pararia para ver um outdoor com as roupas de marca, nem com as roupinhas de sucesso, nem com a foto do carro do ano (ah! essas jogadas de marketing tão sedutoras!).

O que me fez parar e mexeu com o coração foi simplesmente o muro pixado. E onde está Jesus? Nos que tentam impor sua verdade ao “invadir” a residência e resistências das pessoas? Ou nas igrejas pentecostais, que aos berros, ensurdecem o que deveríamos escutar: o farfalhar dos pardais.

Por tanta dor e sofrimento, por tanta vontade de ouvir o canto dos pássaros, pelo imenso desejo de que as coisas realmente melhorem... Acredito mesmo que Jesus está dentro de nossa vontade de fazer algo de bom. E nesse mundo hipócrita isso já está de bom tamanho! Pois se fôssemos Ele, já teríamos nos abandonado há muito tempo.